Introdução

Em 1989 Wolfgang Paul recebeu o prémio Nobel da física pela sua invenção da armadilha de iões que permite isolar um ião. Com essa invenção tornou-se possível estudar um átomo isolado, e pôr a física quântica á prova, já que nas experiências anteriores estavam sempre presentes muitos átomos. O princípio de funcionamento da armadilha de iões é muito simples. Usa-se um potencial de quadrupolo, nomeadamente, um sistema em que em dois lados opostos de um quadrado há dois condutores com potenciais positivos e nos outros dois lados há condutores com potenciais negativos, criando-se assim um ponto de sela no centro do quadrado.
Os iões têm carga positiva e são empurrados para o centro pelos condutores com potencial positivo, e para fora do centro pelos condutores com potencial negativo. O potencial dos condutores é sucessivamente invertido, o que faz com que após algum tempo unicamente o ião que se encontra no centro permaneça nesse ponto de equilíbrio.
7.1. Potencial e campo elétrico
A diferença de potencial entre dois pontos separados por um pequeno percurso é:
esta definição implica que o potencial decresce mais rapidamente na direção do campo elétrico e mantém-se constante na direção perpendicular ao campo. Em cada ponto onde o campo não é nulo, existe uma única direção em que o potencial permanece constante; o campo elétrico é perpendicular a essa direção, e aponta no sentido em que diminui (figura 7.1). As cargas positivas deslocam-se no sentido em que o potencial decresce, e a as cargas negativas deslocam-se no sentido em que o potencial aumenta.

Se for a componente do campo na direção do deslocamento vetorial e for o módulo desse deslocamento, a equação 7.1 pode ser escrita
Assim sendo, a componente do campo elétrico na direção e sentido de um vetor qualquer é:
onde é calculado na direção do vetor . A derivada na expressão anterior é designada derivada direccional da função , na direção definida por .
Em particular, se a direção escolhida for no sentido de um dos 3 eixos cartesianos, será a componente do campo na direção desse eixo, e a derivada direccional será a derivada parcial em relação à variável associada ao eixo:
Para calcular o potencial num ponto, costuma arbitrar-se que o potencial seja nulo no infinito. Assim, o potencial num ponto P obtém-se a partir do integral
As 3 componentes cartesianas do campo não podem ser 3 funções arbitrárias da posição, já que, a partir das equações 7.4 se conclui que
que são as condições necessárias e suficientes para garantir que o campo é conservativo. A matriz jacobiana do campo, em função da posição, é:
(7.7)
e devido às condições 7.6, essa matriz é simétrica, pelo que só tem valores próprios reais. Como consequência, os pontos de equilíbrio do campo elétrico podem ser pontos de sela ou nós, mas não centros ou focos. No espaço de fase (, , , , , ), como o sistema é conservativo, os pontos de equilíbrio podem ser pontos de sela ou centros.
Exemplo 7.1
O campo elétrico numa região do espaço é dado pela expressão (unidades SI)
(a) Demonstre que o campo é conservativo. (b) Calcule o potencial eletrostático (defina = 0 na origem).
Resolução. (a) Para demonstrar que o campo é conservativo, basta calcular as derivadas parciais cruzadas das três componentes do campo e conferir que são iguais:
(b) O valor do potencial no ponto (,,) é simétrico do valor do integral de linha do campo, desde a origem (onde se arbitra que = 0) até esse ponto. Como o campo é conservativo, o integral pode ser calculado ao longo de qualquer percurso e o resultado é sempre o mesmo. Escolhe-se um percurso formado pelos três segmentos de reta que unem os pontos (0, 0, 0), (, 0, 0), (, , 0) e (, , ):
7.2. Potencial devido a cargas pontuais
Em duas dimensões, o campo elétrico produzido por um sistema de cargas pontuais , , …, , é dado pela equação 6.3. do capítulo anterior. O potencial é a função de e com derivadas parciais iguais às duas componentes do campo. Assim, o potencial é:
onde e são as coordenadas da posição da partícula .
Este resultado pode ser generalizado para o caso de 3 dimensões. O resultado é:
e as coordenadas (, , ) correspondem à posição da partícula número com carga . O denominador na equação 6.3 é a distância da carga ao ponto onde está a ser calculado o potencial.
Exemplo 7.2
Uma carga pontual de +1 nC encontra-se na origem, e uma segunda carga de +4 nC encontra-se no ponto = 30 cm, = 0. Encontre a expressão para o potencial no plano Oxy e represente graficamente essa função de duas variáveis.
Resolução. A constante de Coulomb pode ser escrita como:
Na equação 7.9 substitui-se = 900, as posições das cargas em cm, os valores das cargas em nC e = 0, para obter a expressão do potencial no plano Oxy, em volts:
Para representar o gráfico dessa função, usam-se os seguintes comandos no Maxima:
(%i2) plot3d (V, [x,-10,40], [y,-25,25], [z,0,2000], [legend,false], [grid,80,80])$
A figura 7.2 mostra o resultado.

A opção foi usada para limitar o valor máximo de a ser apresentado, já que nos pontos onde se encontram as cargas pontuais positivas o potencial aumenta até infinito.
7.3. Superfícies equipotenciais
Outra forma conveniente de representar um potencial como o da figura 7.2, é por meio das equipotenciais, que são as curvas de nível, ou seja, as curvas em que em todos os pontos o potencial tem o mesmo valor. No gráfico da figura 7.2 as equipotenciais são a interseção da superfície com diferentes planos paralelos ao plano O.
O programa ploteq do Maxima permite obter as curvas equipotenciais correspondentes a um potencial que depende de duas variáveis. Por exemplo, para obter as equipotenciais do potencial já definido em %i1, basta usar o seguinte comando:
A opção curves não é obrigatória e foi usada simplesmente para que as curvas equipotenciais apareçam em azul, e não na cor vermelha por omissão, que tem sido usada para as linhas de campo. Algumas curvas equipotenciais foram traçadas clicando em pontos do gráfico. A seguir entrou-se no menu de configuração, apagou-se o conteúdo do campo curves e escreveu-se red no campo fieldlines para que a seguir, cada vez que se clicar num ponto do gráfico, seja traçada uma linha de campo elétrico (a vermelho). O gráfico obtido mostra-se na figura 7.3.

As figuras 7.2 e 7.3 são duas representações diferentes do mesmo potencial, no plano Oxy, produzido por duas cargas pontuais. O potencial dessas duas cargas realmente depende de 3 variáveis, , e e, por isso, as equipotenciais são realmente superfícies no espaço a três dimensões e as curvas apresentadas na figura 7.3 são apenas a intersecção dessas superfícies com o plano Oxy,
Em qualquer direção ao longo de uma superfície equipotencial, em três dimensões, o produto escalar é nulo, já que . Isso implica que o campo elétrico é perpendicular às superfícies equipotenciais (figura 7.4).

7.4. Pontos críticos do potencial
As linhas de campo elétrico apontam na direção e sentido em que o potencial diminui mais rapidamente. Como tal, num ponto onde o potencial é um máximo local, existem linhas a apontar para fora desse ponto (nó repulsivo); o fluxo numa superfície fechada à volta desse ponto é positivo. Isto implica que na região onde o potencial é máximo deve existir carga positiva.
Num ponto onde o potencial tem um mínimo local, as linhas de campo apontam na direção desse ponto (nó atrativo) e o fluxo numa superfície fechada à volta dele será negativo. Como tal, deve haver carga negativa nesse ponto.
Os máximos e mínimos do potencial podem ser pontos onde o potencial se aproxima de +∞ ou −∞, no caso de cargas pontuais, ou pontos de equilíbrio, onde as derivadas do potencial são todas nulas. Existe um terceiro tipo de ponto crítico, ponto de sela, em que o potencial é máximo segundo algumas direções e mínimo segundo outras. Assim sendo, existem direções por onde entram nesse ponto linhas de campo elétrico e outras direções por onde há linhas de campo a sair desse ponto. O fluxo numa superfície fechada à volta do ponto deve ser nulo e, assim, o campo é nulo nesse ponto. Os pontos de sela são pontos de equilíbrio instável.
Como nos pontos onde o potencial é máximo ou mínimo há linhas de campo a sair ou a entrar em todas as direções, esses pontos encontram-se no interior de superfícies equipotenciais fechadas, umas dentro das outras, aproximando-se do ponto mínimo ou máximo. Nos pontos de sela uma superfície equipotencial cruza-se com si própria. No exemplo da figura 7.3 há um ponto de sela, onde uma curva equipotencial se cruza com si própria, e existem duas linhas de campo a terminar nesse ponto e outras duas a partir dele. Nesse ponto de sela o campo elétrico é nulo.
A figura 7.5 mostra outro exemplo de um potencial mais complicado, em função de e , com vários pontos de sela, máximos e mínimos locais. No ponto P há um máximo local, no ponto Q há um mínimo local e o ponto S é ponto de sela.

7.5. Potencial e energia eletrostática
Se uma partícula com carga se desloca entre dois pontos com uma diferença de potencial a variação da sua energia potencial eletrostática é:
Como o campo elétrico é conservativo, a energia mecânica conserva-se e a variação de energia potencial implica uma variação de energia cinética.
Quando se trata de partículas elementares com cargas da ordem de grandeza da carga elementar, é habitual utilizar uma unidade de energia designada de eletrão-volt (eV), que corresponde à energia adquirida por um eletrão que se desloca para uma região onde o potencial aumenta de 1 V. Assim, passando para o sistema internacional:
7.6. Potencial nos condutores
Dentro de um condutor isolado o campo elétrico é nulo. Se assim não fosse, existiria movimento das cargas livres, criando-se um campo interno que contrariava o campo externo; o movimento das cargas livres só pára quando o campo total é nulo. O tempo que demoram as cargas livres a redistribuírem-se para que o campo no condutor seja nulo é muito reduzido e pode ser considerado nulo.
Como o campo elétrico é nulo dentro do condutor isolado, não existem linhas de campo elétrico, e o potencial em todos os pontos dentro do condutor é o mesmo. O fluxo em qualquer parte dentro do condutor também é nulo e, assim, de acordo com a lei de Gauss, não pode existir carga em nenhum ponto dentro do condutor. Toda a carga elétrica se acumula na superfície do condutor.
A própria superfície do condutor é uma superfície equipotencial, já que todos os pontos do condutor têm o mesmo potencial e as linhas de campo elétrico fora do condutor são então perpendiculares à sua superfície.
Um exemplo de condutor isolado é um automóvel. A carroçaria metálica é um condutor e os pneus de borracha são isoladores. Como a terra é um condutor, se o automóvel tiver carga positiva, as linhas de campo saem na perpendicular ao automóvel e entram no chão na perpendicular (figura 7.6).

Se o condutor tiver uma carga total não nula, por exemplo, negativa como no lado esquerdo da figura 7.7, o potencial nele tem um valor mínimo local e há superfícies equipotenciais à sua volta. Se o condutor não tiver carga total, como no lado direito da figura 7.7 o campo sobre a sua superfície é devido a um campo externo, que separa cargas positivas e negativas na superfície do condutor; a superfície equipotencial do condutor estende-se então por fora do condutor de forma perpendicular ao campo externo.

A distribuição de cargas na superfície dum condutor isolado não pode ser uniforme. Considerem-se três condutores diferentes com a mesma carga superficial , um deles plano, o outro convexo e o último côncavo (figura 7.8). Nos três casos a separação das linhas de campo sobre a superfície deve ser a mesma e o campo é igual nos três casos quando a distância a partir da superfície é igual a zero. À medida que aumenta, como as linhas de campo são perpendiculares à superfície do condutor, a separação das linhas vai ser maior no caso do condutor convexo e menor no caso do condutor côncavo; no caso do condutor côncavo, as linhas de campo acabam por se afastar à medida que aumenta. Como o campo elétrico é inversamente proporcional à distância entre as linhas de campo, o campo produzido pelos três condutores é como mostra a figura 7.8.

O potencial de cada um dos condutores na figura 7.8 obtém-se integrando o campo elétrico desde a superfície ( = 0) até ao infinito (onde = 0). No gráfico da direita, os valores dos três potenciais são as áreas sob as três curvas do módulo do campo elétrico. Assim, o condutor côncavo encontra-se a um potencial maior que o condutor plano e estes dois condutores estão a um potencial maior que o condutor convexo.
Em pontos diferentes da superfície de um condutor, o potencial é sempre o mesmo e como tal, a carga superficial não pode ser a mesma nos pontos onde o condutor é côncavo, convexo ou plano. A carga superficial tem que ser maior nas regiões convexas, menor nas regiões planas e ainda menor nas regiões côncavas. Desta forma obtém-se o mesmo valor para o integral do campo elétrico, como se mostra na figura 7.9.

Nas regiões convexas, quanto menor for o raio da curvatura, maior será a carga superficial, e nas regiões côncavas quanto maior for o raio da curvatura, maior será a carga superficial. A carga acumula-se mais nas pontas da superfície dum condutor Este efeito é aproveitado nos pára-raios; os raios são atraídos para a ponta do pára-raios, onde há uma maior acumulação de cargas e, portanto, o campo elétrico é mais intenso.
7.6.1. Potencial de uma esfera condutora
Numa esfera condutora, as cargas distribuem-se uniformemente na superfície. No capítulo sobre o campo elétrico viu-se que esse tipo de distribuição de carga produz um campo nulo no interior da esfera e no exterior o campo é idêntico ao que existiria se toda a carga estivesse concentrada no centro da esfera. Assim, o potencial fora da esfera é idêntico ao potencial de uma carga pontual :
em que é a carga total da esfera, e o seu raio.
Para que o campo seja nulo no interior da esfera, o potencial deve ser constante nessa região. Como o potencial deve ser uma função contínua da posição, o valor constante do potencial, dentro da esfera, deve ser o mesmo que na superfície; nomeadamente
Dentro da esfera ( ≤ ) o campo é nulo e o potencial é constante. Fora da esfera, o potencial decresce na proporção inversa da distância ao centro (ver figura 7.10).

Perguntas
(Para conferir a sua resposta, clique nela.)
- O potencial produzido por um sistema de duas cargas
pontuais, e , é nulo num ponto P (arbitrando
potencial nulo a uma distância infinita das cargas). Isso
implica que:
- A força sobre uma carga de prova no ponto P é nula.
- e têm o mesmo sinal.
- O campo elétrico é nulo no ponto P.
- O trabalho total necessário para trazer as cargas e até às suas posições é nulo.
- O trabalho necessário para trazer uma carga desde o infinito até o ponto P é nulo.
- Uma carga de 4 µC encontra-se dentro de um campo
elétrico com módulo igual a
4×105 N/C. Qual é o trabalho
necessário para deslocar essa carga uma distância de
20 cm numa direção a 60° com o campo elétrico?
- 0.28 J
- 160 mJ
- 0.68 J
- 28 J
- 16 J
- O potencial elétrico de um sistema, em função da
distância ao longo de uma direção dada é representado pelo
gráfico:
- 1
- 2
- 3
- 4
- 5
- Quatro cargas pontuais, com valores +2 e
−, encontram-se nos vértices de um quadrado, como
mostra a figura. O que é que possível afirmar acerca do
potencial () e do módulo do campo () no centro do
quadrado (P)?
- ≠ 0, > 0
- = 0, = 0
- = 0, > 0
- ≠ 0, < 0
- ≠ 0, ≠ 0
- Perto de uma carga pontual existe um ponto onde o
potencial elétrico produzido pela carga é 3 V
(arbitrando potencial nulo no infinito) e o módulo do
campo elétrico da carga é 200 N/C. Calcule a
distância desde a carga até ao ponto.
- 3 m
- 3 cm
- 1.5 cm
- 0.67 cm
- 6.7 cm
Problemas
- O potencial no plano O é
Encontre a expressão do campo elétrico em função de e . Usando Maxima, represente as superfícies equipotenciais e as linhas de campo. Existe algum ponto onde o campo é nulo? A que tipo de sistema corresponde esse potencial?
- Existe um campo elétrico uniforme, com módulo de 15 kN/C, entre duas placas paralelas separadas de 2.0 cm. Determine a diferença de potencial entre as placas.
- O potencial elétrico a uma certa distância de uma carga pontual é 600 V (arbitrando potencial nulo no infinito) e o valor do campo elétrico é 200 N/C. Calcule a distância e o valor da carga.
- Duas superfícies condutoras esféricas e concêntricas têm raios de 5 cm e 7 cm. A superfície menor tem uma carga total de 3 nC e a carga total na superfície maior é de −2 nC. Calcule a diferença de potencial entre as duas superfícies.
- A figura representa as linhas de campo
elétrico devido a duas carga pontuais separadas de
7 cm. A razão entre os valores das duas cargas é
4/9. (a) Calcule a distância do ponto P às
partículas. (b) Sabendo que a carga da partícula no
lado direito é de −8 nC, calcule o potencial no
ponto P (arbitre = 0 no infinito).
- As três figuras seguintes representam as
superfícies equipotenciais de três sistemas de duas cargas
pontuais e . Em todos os casos =
3 nC e a distância entre as duas cargas é
6 cm. Nas figuras (a) e (b), a
distância desde o ponto P até a carga é igual a
2 cm. Calcule nos três casos.
- O potencial no plano O é (unidades SI):
Calcule o campo elétrico em qualquer ponto do plano Oxy. Usando o Maxima, represente as superfícies equipotenciais e as linhas de campo. Existe algum ponto de campo elétrico nulo?
- A figura mostra as superfícies
equipotenciais devidas a uma carga pontual e a um campo
elétrico uniforme . A grandes
distâncias da carga pontual, as superfícies são planos
paralelos e a distancia entre dois planos com diferença de
potencial de 15 V é de
8 cm. (a) Calcule o módulo e a direção do
campo externo . (b) Diga se a
carga pontual é positiva ou negativa e justifique a sua
resposta. (c) Qual a direção da força sobre a carga
pontual? (d) Se a distância entre a carga pontual e
o ponto P é 9 cm, determine o valor da carga pontual.
Respostas
Perguntas: 1. E. 2. B. 3. D. 4. C. 5. C.
Problemas
-
- 0.3 kV.
- 3 m, 200 nC
- 154.3 V
- (a) 4.2 cm e 2.8 cm. (b) −2857 V
- (a) 12 nC (b) −48 nC (c) −3 nC
-
- (a) 187.5 V/m, para baixo (b) negativa (c) para cima (d) −0.169 nC
A força é igual ao produto da carga e o campo elétrico; para que a força seja nula é necessário que o campo seja nulo, mas o facto do potencial ser nulo em P não implica que o campo também seja nulo nesse ponto.
(clique para continuar)